Os pesquisadores do Centro de Coleções Taxonômicas (CCT-UFMG) contribuem de forma contínua para a descrição de novas espécies por meio de suas pesquisas.
No ano de 2024, foram descritas 28 espécies, abrangendo plantas, fungos, leveduras, ácaros, cnidários e rãs. Para a descrição dessas espécies, foram empregados diversos métodos, como a revisão de coleções taxonômicas, expedições de coleta no campo, análise de características morfológicas e investigações filogenéticas com o uso de dados moleculares.
Na área da Botânica, um estudo sobre a família de samambaias Gleicheniaceae resultou na criação de um novo gênero, Sticheropsis, que inclui as espécies S. truncatus e S. milnei. Essa descoberta foi possível a partir da análise combinada de dados moleculares e morfológicos, além de uma investigação aprofundada das folhas das samambaias e uma chave de identificação para os oito gêneros reconhecidos dentro dessa família. A pesquisa se baseou em uma amostra de mais de 8200 espécimes, provenientes de 53 herbários, e consolidou a taxonomia dessa importante família de plantas.
Em Microbiologia, 16 espécies foram descritas, ampliando o conhecimento sobre fungos e leveduras. Entre elas, destaca-se a reclassificação de Polyporus sarcites e a descrição da nova espécie Fuscoporia dollingeri, provenientes de expedições de campo realizadas em locais como o Parque Nacional de São Joaquim, no Brasil, o Parque Nacional La Tigra, em Honduras, e florestas tropicais da Flórida, nos Estados Unidos, que forneceram espécimes com características morfológicas únicas, que foram analisadas por meio de sequenciamento de DNA, contribuindo para a construção de árvores filogenéticas que mostraram a diversidade de fungos lignícolas.
A descoberta de novas espécies do gênero Microglossum, com ascomatas brilhantes, que formam o corpo frutificante do fungo, e ascósporos hialinos, que são esporos translúcidos, também foi um marco, ampliando a compreensão sobre a diversidade de fungos no Brasil. Três novas espécies foram descritas, Microglossum azeurum, Microglossum sourellae e Microglossum popovkinii, com características distintas, como ascomata de cor azul brilhante ou amarelo claro, evidenciando a complexidade e a riqueza da microbiota brasileira. Além disso, novas espécies de leveduras, como Ogataea nonmethanolica, foram isoladas de madeira podre no Brasil e na Colômbia, apresentando diferenças metabólicas como a incapacidade de assimilar metanol como fonte de carbono.
Ainda no campo das leveduras, espécies como Spathaspora marinasilvae, isoladas de madeira podre e galerias de besouros na Floresta Amazônica, destacam-se por suas características biotecnológicas promissoras, como a capacidade de produzir etanol a partir da xilose. Da mesma forma, novas espécies como Spencermartinsiella nicolii, descobertas nas florestas da Mata Atlântica e Amazônica, e Saccharomyces chiloensis, encontrada nas florestas de Nothofagus na Patagônia, reforçam o papel crucial da taxonomia na descoberta de organismos com potencial biotecnológico.
A ampliação do conhecimento taxonômico também incluiu a descrição de novas espécies de leveduras no Japão e na Colômbia, com a criação do gênero Millerago e a identificação de espécies como Millerago phaffii e Millerago galiae, que foram analisadas geneticamente para diferenciar suas sequências de outras leveduras já conhecidas. Ademais, novas espécies de leveduras, como Kodamaea schenbergiae e Suhomyces schwaniae, foram identificadas em cogumelos e insetos na Floresta Amazônica, com a observação de que essas espécies não se reproduzem sexualmente, sugerindo um novo tipo de adaptação ecológica.
Na Zoologia, os estudos sobre aranhas e ácaros também revelaram novidades importantes. A reclassificação de Odo vittatus, uma espécie da Caatinga, para o gênero Xenoctenus ampliou o entendimento sobre a distribuição das aranhas dessa família. Ainda, novos registros de Xenoctenus vittatus foram feitos em diferentes partes da Caatinga, além da localidade original onde foi descrita, o que amplia seu conhecimento sobre a área onde essa espécie pode ser encontrada. Esse estudo também descreveu uma nova espécie de aranha, chamada Xenoctenus kaatinga, que foi identificada a partir de machos e fêmeas coletados em várias regiões da Caatinga. Tal descoberta é importante porque adiciona uma nova espécie ao bioma, aumentando o entendimento sobre a fauna local.
Um outro estudo traz a descrição de duas novas espécies do gênero Fernandezina, uma espécie de aranha sulamericana conhecida por habitar principalmente ambientes acima do solo (epígeos). As novas espécies descritas são Fernandezina fernandoi, que foi encontrada em ambientes hipógeos (abaixo do solo) e é representada tanto por machos quanto fêmeas, e Fernandezina angeloi, que foi descrita a partir de um único macho encontrado em um ambiente epígeo próximo. A espécie Fernandezina fernandoi é uma homenagem ao professor do ICB/UFMG, Fernando Amaral da Silveira, falecido em 2022, que realizou importantes contribuições para a compreensão da sistemática e da biologia de abelhas neotropicais.
Ainda, o estudo de ácaros resultou na descrição de quatro novas espécies de larvas de ácaros pertencentes aos gêneros Leeuwenhoekia, Colicus e Herpetacarus, coletadas nos estados de Minas Gerais e Amazonas, e depositadas na coleção Acarológica do Centro de Coleções Taxonômicas da UFMG, apresentando sequências genéticas de múltiplos genes e fornecendo uma base sólida para futuras pesquisas sobre esses ácaros.
Novas descobertas em Zoologia também incluem a descrição de espécies de cnidários e rãs. O estaurozoário Calvadosia festivala, encontrado em águas tropicais da Índia, representou uma exceção no que diz respeito à distribuição dessas espécies, que geralmente habitam águas frias. Já a nova espécie de rã do gênero Aplastodiscus, descoberta na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, descrita com base na morfologia e sequências de DNA, se destaca pela distinção vocal em relação a outras espécies do gênero, demonstrando como as vocalizações podem ser um critério eficaz na identificação de anuros. Da mesma forma, a descrição de uma nova espécie de rã do gênero Adenomera, endêmica da Mata Atlântica, ilustra como as espécies continuam a ser descobertas mesmo em áreas alteradas por ação antrópica.
Essas descobertas, que vão desde fungos até anfíbios, reafirmam a importância da taxonomia como ferramenta essencial para compreender a biodiversidade de ecossistemas em constante mudança, oferecendo novas perspectivas sobre a adaptação, a evolução e a interação dos organismos em seus habitats naturais. A partir disso, as coleções taxonômicas desempenham um papel fundamental na pesquisa científica, sendo instrumentos de grande relevância para a catalogação e preservação da biodiversidade, possibilitando o estudo e a identificação de novas espécies ao longo do tempo.
Autora: Ana Clara Dumbá Silva (bolsista de Extensão PBEXT, orientada pelo prof. João Renato Stehmann).
Este texto corresponde ao Boletim CCT Ciência nº 36, originalmente publicado em 2025 no site oficial do CCT Ciência: