Espécies de peixes exóticas invasoras: um problema cada vez maior

Espécies exóticas invasoras são organismos introduzidos fora de sua área de ocorrência natural, que prejudicam a biodiversidade nativa de um determinado ambiente ou região e afetam gravemente os serviços ecossistêmicos. Em uma comunidade de organismos previamente estabelecida, a súbita inserção de um organismo externo desestabiliza o equilíbrio do sistema e gera uma cascata de reações por toda a teia ecológica.

A ausência de predadores naturais, a intensa competição com organismos em nichos similares, presas sem defesas naturais a este organismo e a sobreposição de características evolutivas obtidas ao longo de centenas (por vezes, milhares ou milhões) de anos são alguns dos fatores principais que garantem vantagens aos organismos introduzidos. As espécies invasoras figuram como a segunda maior causa de extinção de espécies no planeta, gerando graves efeitos negativos sobre a biodiversidade, a economia e a saúde humana.

Um fator crucial no combate às espécies invasoras é a conscientização, mostrar que isto é de fato um problema (e um dos grandes!). Mas é preciso deixar claro de antemão: a culpa não é exatamente delas, afinal elas foram introduzidas por ações humanas.

A introdução de espécies tem sido facilitada pelo transporte, comércio (legal ou ilegal), viagens e turismo entre países e muitas vezes dentro de um mesmo país. O Brasil, em suas proporções continentais, sofre também com espécies invasoras da sua própria fauna, um bom exemplo disso é o tucunaré. Este nome popular é utilizado para se referir a diversas espécies de peixes neotropicais que são nativos das bacias Amazônica, do Tocantins-Araguaia e do Orinoco, mas aqui usaremos “tucunaré” para nos referirmos à espécie Cichla ocellaris, que foi introduzida principalmente para a prática de pesca esportiva em reservatórios e açudes em bacias hidrográficas do sudeste e do nordeste, bem longe da distribuição natural da espécie.

Figura 1 Gráfico do processo de introdução de peixes.
Fonte: FRANCO, Ana Clara Sampaio; GARCÍA-BERTHOU, Emili; DOS SANTOS, Luciano Neves. Ecological impacts of an invasive top predator fish across South America. Science of The Total Environment, v. 761, p. 143296, 2021.


Existem relatos de tucunarés introduzidos na represa Reservatório de Lajes, no estado do Rio de Janeiro, por volta de 1950, quando ainda não se conhecia o potencial catastrófico de desequilíbrio que esta espécie poderia causar. Uma pesquisa científica da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) analisou os impactos ecológicos causados pela espécie Cichla ocellaris e também a proporção de tucunarés em relação ao total de espécies e indivíduos no sistema. O tucunaré, por ser um predador de diversas espécies, se beneficia ao ser introduzido pela falta de predadores naturais, podendo se tornar uma espécie dominante e reduzir significativamente a riqueza de espécies. Ainda foi apontado no estudo que a presença de uma espécie invasora pode beneficiar outras espécies invasoras em ambientes onde o tucunaré foi inserido. A pesquisa resultou na publicação de um artigo chamado Ecological impacts of an invasive top predator fish across South America (“Impactos ecológicos de um peixe predador de topo de cadeia como invasor ao longo da América do Sul”), referenciado abaixo. Este é apenas o exemplo do impacto causado por uma única espécie invasora.

Também é possível citar o caso do peixeleão (Pterois volitans), um peixe marinho venenoso, natural dos oceanos Índico e Pacífico. O peixe-leão foi introduzido em outras regiões pela sua comercialização para fins ornamentais. No Brasil, foi avistado pela primeira vez em 2014, no estado do Rio de Janeiro, e a partir daí foi se alastrando até chegar ao Arquipélago de Fernando de Noronha. Em 2022, a espécie foi capturada por pescadores na pesca comercial do peixe Pargo, Lutjanus purpureus (Poey, 1866), na costa do estado do Amapá, norte do Brasil, o que indica sua presença na região dos Recifes Amazônicos. Recentemente, em fevereiro de 2023, foi encontrado pela primeira vez na costa de Pernambuco e possivelmente tomará toda a costa brasileira e chegará até o Uruguai.

Figura 2 Exemplar de peixe-leão Pterois volitans (Linnaeus, 1758) coletados no Grande Sistema de Recifes da Amazônia (GARS), Estado do Amapá, Brasil.
Fonte: CINTRA, I. H. A. et al. Novas ocorrências de peixe-leão Pterois volitans (LINNAEUS, 1758) na pesca do pargo Lutjanus purpureus (POEY, 1866) na costa norte do Brasil. Actapesca News. DOI 10.46732/actafish.2023.11.1.01-08.


O peixe-leão é uma ameaça às espécies nativas e perigosa para os seres humanos. Em seu hábitat natural ele é predado por espécies de garoupas e tubarões, e como não encontra seus predadores na região do Brasil consegue crescer e multiplicar sua população facilmente.

Um dos perigos para os humanos é a sua toxina que em contato com a pele pode causar vermelhidão, inchaço, febre e convulsões. Para os peixes da nossa costa ele causa um maior risco de predação, pois eles não possuem as adaptações necessárias para lidar com esse tipo de predador, que pode se parecer como uma planta ou um pequeno invertebrado, Isso faz do peixe-leão um poderoso invasor biológico, impactando tanto a economia, pois preda espécies de valor comercial na pesca local, quanto o ecossistema, que fica em desequilíbrio. Ações humanas como biopirataria, comércio de aquários e as consequências das mudanças climáticas intensificam o seu risco. 

Diante disso, a prefeitura de Itamaracá, em Pernambuco, e a Organização Nãogovernamental (ONG) Projeto Conservação Recifal criaram um projeto para capacitar cerca de 2.500 pescadores que trabalham na região. Mais ações como essa precisam ser realizadas em toda a região litorânea do país para conter a disseminação da espécie e evitar maiores danos à nossa biodiversidade.



Autores: Leonardo Silva Marujo (bolsista de Extensão PBEXT, orientado pelo prof. João Renato Stehmann) e Natália Gonçalves Batista (bolsista de Extensão PBEXT-Ações Afirmativas, orientada pelo prof. João Renato Stehmann).

Este texto corresponde ao Boletim CCT Ciência nº 23, originalmente publicado em 2023 no site oficial do CCT Ciência: https://www2.icb.ufmg.br/cct/cctciencia/CCTCiencia-23.pdf




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