Evolução e biogeografia dos saguís-de-bigode

O Brasil é o país com a maior diversidade de espécies de primatas do mundo, contando com cerca de 16% das espécies conhecidas. São 134 espécies e subespécies registradas para o país, a maior parte encontrada na Amazônia, motivo pelo qual é lá onde se concentra a maior parte das pesquisas sobre o grupo. A falta de estudos filogenéticos de algumas espécies amazônicas de saguis pertencentes ao gênero Saguinus torna difícil a compreensão da história evolutiva desse grupo de primatas e seu contexto paleogeográfico relacionado à história da Amazônia ocidental. Essa falta de conhecimento é ainda mais urgente uma vez que 26 desses saguis estão na Lista de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção.

Um estudo liderado pelo Laboratório de Evolução de Mamíferos da UFMG investigou as relações filogenéticas e evolutivas de um grupo de “saguis de bigode” amazônicos. No jargão científico eles fazem parte do complexo Saguinus mystax, que tradicionalmente inclui três espécies: Saguinus imperator, S. labiatus e S. mystax, que compartilham como característica marcante os pelos ao redor do lábio alongados e esbranquiçados, formando um “bigode”. Essa característica varia entre as espécies do grupo, tendo S. imperator o bigode mais alongado, S. labiatus o menor e S. mystax um intermediário. Uma quarta espécie, o Saguinus inustus, era colocada em um grupo próprio, até que estudos seguintes evidenciaram que talvez ela esteja relacionada ao grupo Saguinus mystax.

Os pesquisadores precisavam entender melhor quais características aproximavam essas espécies e sua história evolutiva. Mas como?

Para isso eles analisaram os espécimes preservados depositados em algumas coleções científicas, entre elas a coleção de mamíferos do Centro de Coleções Taxonômicas da UFMG, que constituem um banco de dados biológico da biodiversidade. Foram estudadas 25 características morfológicas de 208 exemplares de Saguinus, 13 das quais nunca utilizadas anteriormente, além de dados moleculares das espécies.

Os resultados indicaram que S. inustus faz parte do grupo S. mystax, agora com quatro espécies. A partir de sinapomorfias morfológicas encontradas (características novas evolutivamente, que são exclusivas de um grupo monofilético) foi possível determinar que a separação do grupo Saguinus mystax de outros grupos de Saguinus ocorreu no Mioceno tardio e começo do Plioceno, entre 4.5 e 9.18 milhões de anos atrás. Já dentro do grupo S. mystax, o ancestral de S. imperator se separou do ancestral das demais espécies entre 2.6 e 5.8 milhões de anos atrás. Em seguida, S. inustus se separou das duas espécies restantes por volta de 1.8 e 4.5 milhões de anos atrás.

Além da separação temporal, houve uma possível separação geográfica, baseando­-se na paleogeografia da região amazônica. Essa incrível história evolutiva é em parte corroborada por resultados obtidos para outros vertebrados amazônicos, incluindo outros primatas, que apresentam sua distribuição relacionada com os mesmo eventos geológicos que moldaram a Amazônia. Sabendo que áreas cortadas por rios fazem parte da distribuição única de algumas espécies, é possível direcionar ações de conservação e preservação mais efetivas e que respeitem os limites biogeográficos da biodiversidade.  

Cladograma representando as relações filogenéticas entre o grupo Saguinus mystax


Distribuição geográfica e filogenia do grupo Saguinus mystax


Este boletim foi escrito com base no artigo disponível em: https://doi.org/10.1002/ajp.23226


Autor: Leonardo Silva Marujo (bolsista de Extensão PBEXT, orientado pelo prof. João Renato Stehmann).


Este texto corresponde ao Boletim CCT Ciência nº 18, originalmente publicado em 2022 no site oficial do CCT Ciência: https://www2.icb.ufmg.br/cct/cctciencia/CCTCiencia-18.png


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