As coleções biológicas e as mudanças climáticas

Você sabia que os acervos biológicos têm uma grande importância nos estudos sobre as mudanças climáticas? Os dados dos acervos permitem avaliar no tempo e no espaço os impactos humanos sobre os organismos que habitam a terra. Nos estudos dos impactos das mudanças globais os dados passíveis de serem obtidos são restritos ao presente, não sendo possível coletar informações do passado para verificar os efeitos das ações humanas ao longo do Antropoceno. E é aí que entra o papel das coleções biológicas.

Os espécimes físicos coletados no passado e depositados nos acervos podem conter informações sobre nutrientes, metais pesados, interações com polinizadores e herbívoros, doenças e processos fisiológicos. Também servem cada vez mais para a obtenção de dados sobre a fenologia (estudo dos estágios periódicos do ciclo de vida de plantas e animais) e a distribuição das espécies, uma vez que boa parte dos registros está georreferenciado, isto é, possui coordenadas geográficas. Esses dados documentam as mudanças e possibilitam traçar um perfil da fenologia ao longo do tempo. Da mesma forma, os dados catalogados também possuem informações sobre a localização das espécies, o que torna possível compreender como as áreas geográficas mudaram, bem como quais mudanças ocorreram na distribuição geográfica dos organismos.

Quatro aplicações diretas nas pesquisas de mudanças globais podem ser feitas com dados das coleções taxonômicas: 1) preenchimento de lacunas; 2) reconstruções históricas, ou seja, de ambientes passados; 3) registros de mudanças ambientais e biológicas ao longo do tempo; 4) conservação, quantificando a extensão da ocorrência, área de ocupação, e a fragmentação da área de distribuição, sendo assim um guia para inferir sobre os riscos de extinção de espécies. 

Os dados das coleções biológicas estão cada vez mais acessíveis com as iniciativas nacionais e globais de digitalização dos acervos. Hoje a infraestrutura de compartilhamento de dados de acervos biológicos permite ampliar o acesso a informações com uma precisão adequada para estudos de impacto de mudanças climáticas. Entre as iniciativas nacionais podemos citar a rede speciesLink, do Centro de referência em informação ambiental- CRIA, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que completou neste ano 20 anos de existência, e o Sistema Brasileiro de Informação sobre Biodiversidade - SiB-Br, vinculado ao Ministério da Ciência Tecnologia, Informação e Inovações – MCTI. Em termos globais, temos o Global Biodiversity Information Facility –GBIF, que é uma organização internacional que se dedica a disponibilizar dados científicos de biodiversidade, financiada por governos do mundo todo. Nesta última plataforma são disponibilizados mais de dois bilhões de registros de ocorrência de organismos, dos quais cerca de 24 milhões oriundos do Brasil. Detentor de cerca de 15 a 25% da biodiversidade mundial, o Brasil só contribui com 1,2% dos dados disponibilizados, o que demonstra a existência de um descompasso no processo de digitalização no país.

Apesar dos esforços globais, muitas lacunas ainda existem. Depois da catalogação da vida no planeta, ainda bastante incompleta, um dos grandes desafios contemporâneos é a disponibilização dos dados já existentes nas coleções taxonômicas. Isto permitirá a utilização das informações dos registros nas pesquisas científicas voltadas ao uso, manejo e conservação da biodiversidade. Poderemos com esses dados prever com acurácia como o aquecimento global afetará a distribuição geográfica dos organismos e planejar ações para evitar a extinção das espécies, algo já em processo acelerado no planeta. É possível que numerosas espécies sejam extintas mesmo antes de serem descritas. No Brasil, o impedimento maior é a falta de uma política de investimento para as coleções biológicas, tanto em infraestrutura como em pessoal, permitindo a gestão segura dos acervos e a aceleração da digitalização dos dados das amostras. 

Interface do site GBIF


Este boletim foi escrito com base nos artigos disponíveis nos links: https://doi.org/10.1098/rstb.2017.0386 e https://doi.org/10.1111/nph.14535

Autora: Natália Gonçalves Batista (bolsista de Extensão PBEXT-Ações Afirmativas, orientada pelo prof. João Renato Stehmann).


Este texto corresponde ao Boletim CCT Ciência nº 20, originalmente publicado em 2022 no site oficial do CCT Ciência: https://www2.icb.ufmg.br/cct/cctciencia/CCTCiencia-20.png


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