Novas espécies de organismos descritos em 2023 pela equipe do CCT-UFMG destacam a importância dos estudos taxonômicos no País


Os pesquisadores do Centro de Coleções Taxonômicas (CCT-UFMG) contribuem continuadamente com a descrição de uma diversidade de novas espécies por meio de suas pesquisas. No ano de 2023, foram descritas 18 novas espécies, incluindo plantas, ácaros, rãs, moscas, águas-vivas e fungos. Os métodos utilizados incluíram a revisão de acervos taxonômicos, viagens para coleta de amostras em campo, análise de características morfológicas e estudos filogenéticos utilizando dados moleculares.

Na área da Botânica, cinco novas plantas foram descobertas, pertencentes às famílias da batata (Solanaceae) e das orquídeas (Orchidaceae), grupos com especialistas na equipe do CCT-UFMG e muito bem representados no herbário BHCB, que contém mais dez mil exsicatas do primeiro grupo e sete mil do segundo.

Uma nova espécie de Solanum (Solanaceae), gênero ao qual pertencem o tomate e a batata,  foi descrita por pesquisadores do CCT-UFMG. O impressionante desta descoberta é que a nova espécie, nomeada Solanum helix, foi descrita quase dois séculos depois da sua primeira coleta (a coleção mais antiga é de 1835), existindo muitos exemplares nos herbários brasileiros. Ela pode ser encontrada no nordeste do país, nos estados de Alagoas, Bahia e Pernambuco. Isso demonstra como os herbários são repositórios importantes e imprescindíveis para o estudo da biodiversidade.

A espécie nova Petunia toropiensis foi encontrada ao acaso durante estudos florísticos na bacia do rio Toropi, região central do estado do Rio Grande do Sul, local de construção de quatro pequenas hidrelétricas. Populações de vistosas petúnias com um aspecto diferente das outras espécies já descritas para o gênero foram coletadas na área dos empreendimentos. O estudo da morfologia e a revisão das amostras de diversos herbários brasileiros, permitiram reconhecer se tratar de uma espécie ainda não descrita. O nome P. toropiensis é uma referência ao local onde foi encontrada a espécie, que é endêmica da bacia do rio Toropi, aparecendo nas escarpas rochosas ensolaradas às margens do rio, seu habitat natural, ou também em locais onde o solo foi revolvido, fato que revelou sua ocorrência. Se as barragens contribuíram momentaneamente para a expansão de algumas populações de P. toropiensis, por outro lado o reservatório inundará alguns locais de ocorrência natural da espécie, cujo gênero possui uma importância econômica pelo seu uso ornamental. Será então importante monitorar as populações da planta, que já nasceu sob risco de extinção.

Petunia toropiensis, encontrada ao acaso durante estudos florísticos na bacia do rio Toropi, região central do estado do Rio Grande do Sul. Créditos: João Renato Stehmann.

Os estudos morfológicos e filogenéticos moleculares das orquídeas da Chapada dos Veadeiros-GO revelou duas novas espécies  pertencentes ao gênero Habenaria, endêmicas desta região. Este gênero é muito rico na flora brasileira e possui uma morfologia bastante diferente daquela das orquídeas ornamentais,  possuindo hábito terrestre, flores esverdeadas e um nectário em forma de espora.  Em relação à etimologia, há fatos curiosos relacionados às espécies descritas: H. minuticalcar vem do latim “minutus” (muito pequeno) e “calcar” (esporão), referindo-se ao esporão muito pequeno, uma característica incomum no gênero e uma das menores entre as Habenaria americanas; já H. proiteana foi uma homenagem a Karina Proite, pelo seu apoio, companheirismo, ajuda no campo e contribuição para inúmeras coleções, e por encontrar a população usada para caracterizar, descrever e tipificar as novas espécies.

A orquídea Cyrtopodium valebellae, encontrada no noroeste da Argentina e sudoeste da Bolívia, foi notada pela primeira vez através de fotografias disponíveis em plataformas online de biodiversidade, o que reafirma a relevância dessa fonte complementar de dados para estudos científicos.

Já na área de Zoologia, duas novas espécies de ácaros, Newellia xakriaba e Centrotrombidium krenak, encontrados em cavernas brasileiras, foram descritas com base em material testemunho para o qual estão disponíveis sequências de múltiplos genes. O artigo publicado por pesquisadores da área mostra a expansão da distribuição geográfica do gênero Newellia André, 1962, até então conhecido apenas para Angola. 

Nos estudos herpetológicos, uma nova espécie de anfíbio foi descrita a partir de uma análise integrativa da variação morfológica, em combinação com dados acústicos e moleculares de diversas populações da Argentina, Paraguai e Brasil. Adenomera é um gênero de rãs neotropicais amplamente distribuídas na América do Sul e consideradas desafiadoras em termos taxonômicos. Uma delas é A. diptyx, que habita vegetação aberta no Paraguai e que pode corresponder a um complexo de espécies. A pesquisa resultou na recaracterização da A. diptyx e na descrição de uma espécie nova e intimamente relacionada, denominada A. guarani sp. nov.. Adenomera diptyx é reconhecida por seu chamado de anúncio dado em uma alta taxa de repetição (176-299 por minuto), enquanto que a nova espécie, Adenomera guarani sp. nov., produz seu chamado de anúncio em uma taxa de repetição mais baixa (73-147 por minuto).  O nome guarani refere-se aos Guaranis, povos indígenas que habitaram no passado uma vasta região da América do Sul, especialmente as áreas onde ocorre a nova espécie. 

 Adenomera guarani. Créditos: Marcelo Kokubum.

Haliclystus sanjuanensis sp. nov., uma espécie de água-viva bem pequena, cuja distribuição é verificada desde a Ilha Unalaska nas Aleutas até o condado de Santa Bárbara, na Califórnia, foi descrita pela primeira vez com a colaboração de pesquisadores do CCT-UFMG. A nova espécie foi comparada com as outras doze espécies descritas de Haliclystus e é a  única do gênero no arranjo das manchas de nematocistos brancas brilhantes em seu cálice e no padrão de listras escuras que percorrem todo o comprimento do caule e sobem pela parte externa do cálice.O nome da espécie refere-se ao Arquipélago de San Juan, Condado de San Juan, Estado de Washington, EUA, onde esse animal é abundante em algumas áreas.

Três novas espécies de moscas do gênero Agenamyia foram descritas com auxílio de pesquisadores do CCT-UFMG. Agenamyia colombiana, A.maculata e A. timida, todas encontradas na Colômbia. Uma curiosidade está relacionada a nomenclatura de cada espécie: Agenamyia colombiana refere-se à Colômbia, país em que a espécie foi encontrada; A. maculata refere-se às manchas escuras nas asas do macho e A. timida vem do latim e está relacionada a um mosca “tímida”, pequena.

 Agenamyia colombiana, A. maculata e A. timida, respectivamente. Imagens retiradas do artigo “Review of the endemic Neotropical genus Agenamyia Albuquerque (Diptera: Muscidae) with the description of new species from South America”, por Claudio José Barros de Carvalho, Marta Wolf, Kirstern Lica Follmann Haseyama e João Manuel Fogaça.

No campo da Microbiologia, os pesquisadores do CCT-UFMG descobriram seis novos fungos, dois deles pertencentes ao gênero Backusella, que são comumente encontrados no solo, na serapilheira, em madeiras, invertebrados e sapos. Atualmente, Backusellaceae constitui uma família monogenérica (todas as espécies são incluídas em um único gênero). Análises filogenéticas utilizando dados moleculares (DNA) permitiram concluir que as duas espécies, nominadas B. gigaspora e B. pernambucensis, diferem de todas as outras espécies do gênero, justificando assim serem reconhecidas como novas espécies. 

Descobertas importantes foram também realizadas com o estudo de leveduras procedentes do norte do Brasil. Duas novas espécies do gênero Sugiyamaella foram isoladas de besouros e madeira em decomposição na Floresta Amazônica. As espécies receberam os nomes de S. amazoniana e S. bielyi e parecem estar associadas a besouros do bioma amazônico, que vivem em galerias dentro de troncos em decomposição. Outras duas espécies novas de leveduras pertencentes ao gênero Spathaspora foram isoladas de madeira em decomposição em dois locais diferentes da Amazônia. Essas leveduras são capazes de converter xiloses em etanol e xilitol, uma característica importante para aplicações biotecnológicas. Para homenagear o indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips, assassinados em 2022 durante uma viagem pelo Vale do Javari no extremo-oeste do Amazonas, as espécies foram batizadas S. brunopereirae e S. domphillipsii. Tal iniciativa visou manter viva a memória de pessoas que reconhecidamente contribuíram para a preservação ambiental e etnico-cultural da Amazônia. 

A descoberta e a descrição de novas espécies ajudam a preencher o déficit Lineano, que é a lacuna de conhecimento  que temos sobre a biodiversidade do planeta. Cada nova espécie é uma peça colocada no quebra-cabeças da vida, que está sendo montada colaborativamente pela comunidade científica. A descoberta continuada de novas espécies pela equipe do CCT-UFMG demonstra como ainda necessitamos de estudos taxonômicos no Brasil, especialmente agora num cenário de perda crescente de habitat, no impacto das mudanças climáticas e nas taxas elevadas de extinção de espécies sem precedentes na história do planeta. 

Autora: Ana Clara Dumbá Silva (bolsista de Extensão PBEXT, orientada pelo prof. João Renato Stehmann).

Este texto corresponde ao Boletim CCT Ciência nº 31, originalmente publicado em 2024 no site oficial do CCT Ciência: https://www2.icb.ufmg.br/cct/cctciencia/CCTCiencia-31.pdf





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